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Maria Ondina Figueiredo - Centro de Cristalografia e Mineralogia, Instituto de Investigação Científica Tropical, Alameda D. Afonso Henriques, 41-4°, 1000-123 Lisboa. |
Em Setembro de 1996, por ocasião do Simpósio Internacional "A Erupção Vulcânica de 1995 na Ilha do Fogo, Cabo Verde", organizado em Lisboa pelo Instituto de Investigação Científica Tropical - instituição que sucedeu à Junta de Investigações Científicas do Ultramar -, coube-nos fazer o elogio público do Professor Doutor Frederico de Menezes Avelino Machado, que por essa ocasião foi homenageado pela sua contribuição para o conhecimento da Ilha do Fogo, juntamente com outros dois Mestres insignes seus contemporâneos - os Professores Doutores Orlando Ribeiro e Carlos Torres de Assunção. |
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Fizemo-lo então com gratidão pelo que nos transmitiu no decurso do breve convívio na (então) Junta de Investigações do Ultramar (JIU), e também com alguma emoção. Essa emoção é ainda mais sentida, agora que Frederico Machado nos deixou e que surge a oportunidade de escrever uma vez mais, com renovado apreço, sobre a sua obra científica realizada no âmbito da JIU.
A gratidão de há sete anos vem agora também acrescida, em resultado da leitura atenta de escritos antigos e sucintos de Frederico Machado sobre algumas Ilhas de Cabo Verde, pejados de ideias inovadoras para a época em que os escreveu. Hoje, que tanto se fala de "inovação", tais trabalhos merecem justo destaque.
De facto, Frederico Machado foi pioneiro na abordagem a um fenómeno que actualmente merece particular atenção: a alteração (designada por palgonitização) de rochas vulcânicas vítreas, em resultado da acção prolongada do meio marinho em que estes materiais litológicos permaneceram por milhões de anos, antes de surgirem à superfície como ilhas. Os fenómenos de erosão que sofreram desde a sua emersão, deixaram expostos à curiosidade científica dos estudiosos da Terra muitos testemunhos materiais que os modernos meios instrumentais de estudo laboratorial permitem explorar e decifrar para desvendar mistérios que o nosso planeta guarda ainda zelosamente.
Neste contexto, destaca-se um trabalho de co-autoria sobre "O complexo sienito-carbonatítico da Ilha Brava, Cabo Verde", publicado em Garcia de Orta, JIU/Lisboa, vol. 15, p. 93 a 98, onde os palagonitos de Cabo Verde são referidos pela primeira vez em publicações portuguesas.
Além do traço comum - a análise de espectros - que irmana o perfil científico de um geofísico e sismologista, ao de um cristalógrafo, partilhamos com o Professor Doutor Frederico de Menezes Avelino Machado outras características que diria curiosas: éramos ambos Engenheiros (Civil e Químico-Industrial) a fazer Geociências, e nos nossos curricula verificou-se um hiato de alguns anos entre a conclusão do curso de engenharia e a obtenção do grau académico subsequente - o de Doutor na área científica que ambos professávamos.
Professor Catedrático jubilado do Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, o Prof. Frederico Machado desenvolveu ainda actividade científica na área da Geofísica em Centros ligados ao Departamento de Física da Universidade de Lisboa.
Natural dos Açores, regressa ao Arquipélago após a conclusão do Instituto Superior Técnico, em 1941, aí permanecendo 22 anos como engenheiro de Serviços de Obras Públicas. Prestou então colaboração ao Serviço Meteorológico Regional. Neste período publicou numerosos artigos nas áreas da vulcanologia e da sismologia, não apenas sobre os Açores, e não só em revistas nacionais. De facto, numa época em que raramente os cientistas portugueses publicavam em revistas estrangeiras, destacam-se diversas publicações da autoria de Frederico Machado sobre temas gerais de Geofísica e sobre aspectos vulcanológicos dos Açores, vindas a lume em revistas internacionais de nomeada:
Transactions of the American Geophysical Union:
-"Earthquake intensity anomalies and magma chambers of Azorean volcanoes" (1954);
-"Compressibility and temperatures ofthe Earth's interior" (1958).
Bulletin Volcanologique (edição da Associação Internacional de Vulcanologia, Nápoles):
-"Submarine pits of the Azores plateau" (1959);
-"Secular variation of seismo-volcanic phenomena in the Azores" (1960).
Não será demais destacar o carácter pioneiro de muitos trabalhos que Frederico Machado publicou sobre o nosso País, nomeadamente na revista Atlântida. Assim, em 1962 vem a lume um trabalho sobre a "Actividade do vulcão do Fogo, Cabo Verde", que posteriormente desenvolveu, já como investigador da Junta de Investigações do Ultramar, numa monografia a que deu o título " Vulcanismo das Ilhas de Cabo Verde e de outras Ilhas Atlânticas " ("Estudos, Ensaios e Documentos", vol. 117, JIU/Lisboa, publicado em 1965, com 83 pp., uma cuidadosa revisão bibliográfica e 34 preciosas estampas).
Num breve período de três anos (1963 a 1966), exerceu a sua actividade no Laboratório de Estudos Petrológicos e Paleontológicos do Ultramar da JIU (actual Centro de Geologia do Instituto de Investigação Científica Tropical). Conhecemos o Engenheiro Frederico Machado precisamente em 1966, quando encetava a actividade docente universitária ministrando dois cursos livres para a Faculdade de Ciências de Lisboa - sobre vulcanologia (que entusiasticamente nos iniciou numa disciplina até então estranha) e sobre sismologia - textos publicados pela JIU em edições que constituem uma via única de introdução às temáticas versadas, contendo esboços e ilustrações fotográficas hoje históricos:
-"Elementos de Vulcanologia" (vol. 119 da série "Estudos, Ensaios e Documentos", JIU/Lisboa, publicado em 1966, 138 pp.);
-"Curso de Sismologia" (id., vol. 125, 1970, 156 pp.).
Foi intensa a actividade científica de Frederico Machado nesses três anos como investigador da JIU - as duas monografias acabadas de citar, catorze artigos em revistas nacionais e três em revistas internacionais. Mais produtivo ainda foi o intervalo de dois anos como «Senior Research Workef» no Departamento de Geologia e Mineralogia da Universidade de Oxford, Reino Unido. Regressado à JIU em 1968, passou a integrar o Agrupamento de Geofisica da Universidade de Lisboa Neste período, merecem citação especial os seguintes trabalhos relativos às Ilhas de Cabo Verde publicados em 1965:
-" Mechanism of Fogo Volcano, Cape Verde Islands";
-"Carta Geológica de Cabo Verde (na escala de 1/100.000). Notícia explicativa da folha da Ilha do Fogo - Estudos petrográficos" (trabalho de colaboração).
Mas o apelo das ilhas vulcânicas foi maior e o Doutor Frederico Machado regressou aos Açores em 1976 para ajudar a construir a Universidade. Aí fez a sua Agregação em Geofísica, tendo regressado ao Continente em 1982 para integrar o Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro.
A actividade científica do Prof. Doutor Frederico de Menezes Avelino Machado inclui, naturalmente, inúmeras partlclpaçoes em reuniões científicas - congressos e simpósios - tanto nacionais, como internacionais, e engloba diversas visitas de estudo a locais famosos sob o ponto de vista vulcanológico em Itália, na Islândia, nas Canárias e na Escócia.
Foi relator do Grupo de Trabalho para o estudo da Vulcanologia das ilhas do Atlântico Central, criado há alguns anos no âmbito da Associação Internacional de Vulcanologia, com sede em Nápoles.
Como é normal numa carreira bem sucedida e com elevado grau de realização, os objectivos científicos de Frederico Machado evoluíram do simples relato de ocorrências naturais para o ensaio de grandes sínteses interpretativas da globalidade dos fenómenos observados, designadamente de manifestações vulcânicas à superfície e dos efeitos sísmicos associados. Assim, nos dez anos subsequentes Frederico Machado retoma estudos anteriores sobre a viscosidade reológica do manto terrestre e sobre a pulsação de fenómenos tectónicos; desenvolve uma abordagem ao campo geomagnético, considerando variações do momento de inércia da Terra; e enceta uma incursão original nas propriedades físicas da Terra, desde a magnetização de lavas basálticas (nos Açores, 1986) até ao comportamento semicondutor do núcleo terrestre - trabalho sobre o qual estabelecemos troca de impressões, então já entre um Geofísico e um praticante de Engenharia de Materiais, de que a Mineralogia é parte relevante enquanto Ciência dos Materiais Naturais.
Ao tempo da primeira homenagem que tivemos oportunidade de prestar publicamente ao Professor Doutor Frederico de Menezes Avelino Machado lançámos um repto a que o Homenageado não teve já tempo de corresponder: o de transpor para o âmbito da Física da Terra algumas propriedades dos materiais reconhecidas em laboratório à escala atómica, como - por exemplo - a supercondutividade do hidrogénio em estado metálico (produzido em 1993), cujas implicações podem revolucionar esta disciplina. Com o desenvolvimento das técnicas instrumentais nos últimos cinco anos, mais importante se tomou ainda esta problemática de transferência de escala, pelo que aqui deixamos aos vindouros o desafio de tal abordagem, em memória do Mestre.
Lisboa, Outubro de 2003
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